Podemos dizer que o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente promulgado através da lei 8069/1990 foi um marco para a história da infância e adolescência em nosso país. Alterado pela Lei 13.509/17 que dispôs sobre o processo de adoção no país, avançando em ser caráter legal protetivo.
A ideia de adoção é polêmica, pois ainda é vista como forma de contemplar o desejo de pais adotivos realizarem a sua vontade de ter filhos, ou mesmo como um ato de bondade, quando a questão central é garantir que as crianças e adolescentes institucionalizados tenham famílias.
O cenário legislativo brasileiro consolidou a premissa da permanência de crianças e adolescentes em suas famílias naturais, tal fato fomentou a discussão de que a adoção seria considerada somente após esgotadas todas as possibilidades de reintegração familiar, imprimindo a ruptura com o higienista Código de Menores que, além de punir crianças e adolescentes em situação de rua, ócio, abandono, ainda permitia a retirada de crianças e adolescentes de suas famílias que estivessem em situação de pobreza e extrema pobreza.
O afastamento destes de seus lares tinha o viés repressivo; eram submetidos a tratamentos perversos, ficavam confinados, segregados de vivência social, em instituições que os recebiam, os acolhidos em sua maioria eram pobres (senão todos), excluídos, por vezes tendo apenas a rua como alternativa, este motivo, a pobreza, incomodava a “elite” brasileira.
A adoção no Brasil sob a vigência do Código de Menores era tratada de forma simplista, como em contratos de compra e venda, bastava o adotante ir até o cartório e registrar a adoção por escritura pública.
A redemocratização da nação, após o fim da ditadura e o advento da Constituição Federal, movimentou o sistema jurídico destinado às crianças e adolescentes, atribuindo-os condição de sujeito de direitos, dignos de proteção integral.
O ECA apresenta uma realidade protetiva em substituição à punitiva; reflexões sobre a realidade da adoção no país fomentaram alterações significativas nas políticas públicas, voltadas à proteção de sua condição de pessoa em desenvolvimento.
Atualmente as famílias que se encontram em situação de violações de direitos em decorrência de risco pessoal e/ou social contam com os serviços dos CREAS que são voltados a intervir e articular as políticas públicas existentes e possibilitar que as famílias exerçam sua função protetiva em relação às crianças e adolescentes sob seus cuidados, afastando o rompimento dos vínculos, pois somente com vínculos familiares rompidos, ou ausência de familiares naturais e extensos é que se considera o acolhimento institucional e posteriormente, a adoção.
Vale ressaltar que o acolhimento institucional não caracteriza a colocação da criança e do adolescente à adoção, somente por meio da destituição do poder familiar e esgotadas as possibilidades de colocação em família extensa é que se adota a medida, reafirmando a excepcionalidade da ação.
É salutar abordarmos que políticas sociais, sobretudo as políticas de seguridade social que garantem os mínimos sociais, que trabalham o fortalecimento das famílias, torna-se mecanismo que afasta as possíveis rupturas de vínculos, pois, considerando a conjuntura, a ausência de recursos físicos e materiais, culminam no afastamento de crianças de seus lares, expressão do modo de produção capitalista, que criminaliza a pobreza e pune a população. A ausência da tão falada precedência estatal em garantir políticas sociais, devolve as consequências para as famílias, conforme nos aponta Fávero, 2008:
“os maiores índices relativos aos motivos de abrigamento de crianças e adolescentes relacionam-se a impossibilidades materiais da família para mantê-los em sua companhia — objetivadas, geralmente, pela ausência de trabalho, renda e pelas condições de acesso à educação, saúde, habitação, assistência social, lazer. (Fávero et al., 2008, p. 203)”.
Ao passo que devemos cobrar políticas que precedam a proteção, subsidiando as famílias no exercício protetivo, reconhecendo a adoção como atividade última, pós esgotamento das possibilidades de permanência em família natural e/ou extensa, refletir sobre a adoção também é necessário, considerando que a excepcionalidade e provisoriedade de crianças e adolescentes em acolhimento, quando a medida não foi evitada, garantindo à criança e/ou adolescente o direito de um lar, e esta ação é responsabilidade do estado.
O reconhecimento da prevalência da família natural como espaço de convivência e cuidados é premissa de análise, porém o estado precisa acelerar com relação aos que se encontram em situação de acolhimento. Uma das formas de garantir famílias às crianças institucionalizadas é aumentando o número de servidores técnicos do judiciário, responsáveis pelos estudos psicossociais no processo de adoção, setor que vem sendo sucateado, com convocações mínimas nos concursos públicos, sobrecarregando as/os profissionais, com demandas exacerbadas, provocando inclusive adoecimento das/os trabalhadores judiciários.
As várias expressões e configurações familiares precisam ser consideradas no processo de adoção, afastando estruturas capitalistas que classificam “modelos” tidos como ideias, como no caso de família nuclear burguesa.
Contudo, as políticas protetivas são (ou deviam ser) antecessoras no critério de preservação das crianças em seus lares. Desresponsabilizar as famílias é reconhecer a estrutura conservadora que viola os direitos de toda a sociedade.
Há crianças e adolescentes que precisam de famílias, e que sejam protetivas, e crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e não objetos de contemplação de desejos pessoais.
Luciane Dias
Assistente Social
Referências Bibliográficas:
FÁVERO, et al., 2088. Famílias de crianças e adolescentes abrigados: quem são, como vivem, o que pensam, o que desejam. São Paulo: Paulus, 2008
https://www.pucsp.br/sites/default/files/download/nca/livro-eunice2.pdf
https://www.scielo.br/j/sess/a/dhNhSf9sZH8xW7SBw78JjbF
https://www.scielo.br/j/sssoc/a/pDJGXRmCnrhJTRZxS5TbKNr/?format=pdf