Conhecido como PL da gravidez infantil, o Projeto de Lei 1904/24 de autoria coletiva pretende equiparar o aborto a crime de homicídio e sim, não estamos falando de épocas tão remotas, mas do conservador ano de 2024.
O assustador é o crescimento de assinaturas que o projeto levantou, com 56 assinaturas. Um projeto pensado por homens para decidir sobre os corpos das mulheres, só pode ser visto como uma infâmia.
Falar de aborto sem considerar o problema de saúde pública que envolve a temática é ignorar quem são as mulheres que morrem todos os dias por esta razão, qual a classe, qual a idade e qual a cor destas mulheres.
Um assunto tão complexo para ser decidido por quem sequer gesta, causa-nos estranhamento (ou não) a celeridade com que a pauta foi aprovada, o PL pretende criminalizar a mulher que interromper a gestação após a 22ª semana, com pena que pode chegar a 20 anos.
No Brasil o aborto tem previsão legal em três situações: gravidez resultado de estupro, gravidez de feto encefálico (malformação fetal) e quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. E na legislação em vigor não há um prazo fixo para que seja realizado o aborto nas condições previstas.
Criminalizar o aborto viola os direitos humanos de meninas e mulheres e fere a dignidade destas, se rememorarmos que a cada oito minutos uma mulher é estuprada no Brasil.
Modificar o Código penal para criminalizar o aborto é um retrocesso na garantia de um direito previsto desde 1940.
Se há uma preocupação com as vidas das mulheres é necessário construir com elas, que são o foco da ação, e não por meio de uma ação antidemocrática, advinda de homens que não pensam políticas protetivas, mas ações permeadas por moralidade.
Mais uma vez os interesses de classes dominantes querendo impor suas decisões para nós mulheres. Os tempos “modernos” são árduos, quando devíamos estar debatendo políticas de saúde para garantir aborto seguro, pois mulheres morrem diariamente com ausência de recursos públicos para execução de aborto, estamos vendo as mínimas previsões legais sendo confrontadas em um país que no ano de 2022 registrou o maior número de estupros e estupros de vulneráveis da história, com 74.930 vítimas, segundo fontes do DataSus, divulgados pela Campanha “Criança não é mãe” (https://criancanaoemae.org/).
É a vida das pessoas que gestam que estamos falando, sobretudo de crianças e adolescentes vítimas de violência que estão sendo negadas, não podemos aceitar essa afronta patriarcal aos direitos sexuais e reprodutivos com imposições coercitivas sem a participação das mulheres que são, mais uma vez, desprotegidas.
O Conselho Nacional de Saúde procedeu com o pedido de arquivamento do PL, considerando entre vários marcos normativos, o fato de o Brasil ser signatário da Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, se comprometendo a “Assegurar que as mulheres e meninas gozem plenamente de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais e tomar medidas eficazes contra as violações desses direitos e liberdades”, entre outras, manifestando publicamente o desacordo com o PL, sugerindo que a pauta seja amplamente debatida com a sociedade civil organizada.
Quando falamos de garantir o direito à vida, precisamos refletir de que vida estamos falando. A sociedade necessita se organizar contra ações fundamentalistas que se refutam os direitos, os poucos direitos conquistados.
Luciane Dias
Assistente Social
Referências Bibliográficas:
https://criancanaoemae.org/#block-41703
https://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/3447-recomendacao-n-015-de-11-de-junho-de-2024